O rastro do nazismo termina em Tel Aviv

Sinais de nova ofensiva contra Gaza convidam à reflexão indispensável. De que forma a criação dum enclave branco no Oriente Médio foi outra forma de segregar os judeus? E como este Estado reproduz o extermínio que vitimou seu povo?

Foto: AP Photo/Abed Khaled
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Por Franco (Bifo) Berardi, em seu Substack | Tradução: Antonio Martins

Na Alemanha, país derrotado, o ódio transforma em determinação genocida. Mas não se deve acreditar que apenas a Alemanha seja responsável pelo extermínio. Poloneses, franceses, austríacos, húngaros, romenos, ucranianos, italianos são cúmplices, em diferentes gradações, da deportação e do extermínio dos judeus da Europa.

De que eram culpados os judeus da Europa? De serem inspiradores do internacionalismo, enquanto os europeus se apaixonavam pelas mitologias idiotas da pátria.

Com a vitória de Hitler, o extermínio dos judeus se aproxima. Depois de derrotar os operários comunistas, chegou a vez deles. A pertença étnica tomou o lugar da universalidade, como está acontecendo novamente hoje na Europa do século XXI.

Mas a história não termina aí. Após 1945, coloca-se o problema de o que fazer com os judeus que Hitler não conseguiu matar, porque as tropas da União Soviética chegaram e os libertaram dos campos onde estavam morrendo de fome (como hoje se morre de fome em Gaza).

O que fazer com esses judeus sobreviventes?

Os europeus decidem livrar-se deles, vomitá-los para fora (como diz Amos Oz em Uma História de Amor e Trevas). “Depois de exterminá-los, tirêmo-los de nosso caminho”, dizem os ingleses “Vamos apoiá-los, armá-los e usá-los para proteger nossos interesses em uma área cheia de petróleo”.

Nacionalistas judeus como Vladimir Jabotinsky, admirador de Benito Mussolini, foram úteis para esse propósito, enquanto comunidades de judeus socialistas e anarquistas foram à Palestina para se afastar do Ocidente assassino.

Mas naquela terra chamada Palestina habita um povo árabe, que recebe os recém-chegados com desconfiança, mas também com interesse. Seria possível fazer negócios, estabelecer alianças, como fazem grupos de judeus internacionalistas.

Mas os europeus não enviaram os judeus sobreviventes do genocídio para fazer amizade com os árabes. Eles os mandaram para impor o domínio branco sobre a terra árabe. Depois de exterminar seis milhões de judeus, os europeus pretendem usar os sobreviventes como ponta de lança de seu domínio.

Por isso Israel é uma continuação do Terceiro Reich: não apenas porque herdou suas técnicas de extermínio, mas também porque prepara a segunda fase do Holocausto, aquela em que a tarefa de eliminar os judeus (que no século XX foi cumprida pelas tropas de Hitler) caberá aos árabes.

Isra-Hell

Quem enviou os judeus sobreviventes para a Palestina não podia deixar de saber que Israel pode ser armado o quanto se queira pelos imperialistas ocidentais, mas seu predomínio não durará para sempre e, no final, o país pagará seus crimes com juros. Quem raciocina com base na história, na geografia e na antropologia sabe disso perfeitamente.

O fim de Israel não será apenas obra das oligarquias governantes árabes (as mais fascistas de todos, como a história mostrou, e as mais covardes, como demonstra sua atitude ambivalente em relação a Israel).

Será sobretudo obra da guerra civil que já rasteja e que está destinada a eclodir mais cedo ou mais tarde. Os prólogos da guerra civil israelense já são todos visíveis.

O Shin Bet [serviço israelense de segurança interna e vigilância] está na mira de Netanyahu porque começa a ficar claro que o principal responsável pelo pogrom de 7 de outubro chama-se Benjamin Netanyahu, como sustenta Adam Raz em seu livro recente, no qual demonstra que Netanyahu usou o Hamas para dividir os palestinos e permitiu que o pogrom prosseguisse para consolidar seu poder.

Hoje, Israel é um lugar infernal onde prevalece o ódio genocida. Mas esse ódio não pode esconder o medo daqueles que sabem estar destinados a enfrentar um ódio igualmente grande que, mais cedo ou mais tarde, se desencadeará. É um lugar onde assassinos como os ministros da Defesa, Bezalel Smotrich e da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir distribuíram cem mil fuzis aos colonos predadores.
Apenas criminosos sedentos de sangue poderão sobreviver naquele lugar depois que o “exército mais moral do mundo” repetiu os feitos das SS de Hitler.

A desintegração está na ordem do dia em todo o Ocidente, desde que o vice-presidente americano, neto de uma avó que tinha catorze armas de fogo na cozinha e no quarto, veio a Munique para dizer que, para ele, Putin é um amigo e a Europa, uma inimiga.

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